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05 fevereiro 2007

jewelry

Eu já fui jovem. Ainda bem que passou rápido.

{ msimblog@uol.com.br © 01/02/2007 }

Lidostesim & Lidostesina

Tempo é pra viver ou pra esperar?

{ msimblog@uol.com.br © 31/01/2007 }

É COMO DIRIA O VISSER:

Magic is out of print.

{ msimblog@uol.com.br © 11/11/2006 }

10.2 SEMPER

O Ballet é feito com o movimento de corpos femininos e, eventualmente, música.

{ msimblog@uol.com.br © 18/08/2006 }

COSTELA

Não há nada sobre mim.

Nem o peso do céu nem o rugor da terra.

Nada além de um murmúrio do vento.

{ msimblog@uol.com.br © 17/08/2006 }

CANÍCULA

Adora quando o muco nasal tem um tentáculo que avança garganta adentro.

Tênia pulmonar.

Ao puxá-la, a individua sente-se conectada ao âmago.

{ msimblog@uol.com.br © 15/08/2006 }

CARNIFICANE

Nunca mais. Nunca nunca.

Jamais nunca jamais nunca.

Mais.

{ msimblog@uol.com.br © 20/07/2006 }

BATISMO

No sétimo dia de agosto do ano santo de 1963 ele foi chamado pra ficar no banco do time profissional. Jairo se contundira num treino e eles precisavam de um reserva na última partida do primeiro turno.

Zero a zero. Aos trinta e cinco minutos do primeiro tempo, Mendes foi bater um tiro de meta e chutou o chão. O garoto se aqueceu rápido, calçou as luvas e entrou. Logo em seguida, o adversário iniciou um contra ataque. Em três toques, a bola chegou à beira da grande área. Mais do que isso, foi nos pés d’Ele que ela se aninhou.

O chute perfeito, por cima, foi dado. Os flashs espocaram antecipando o tento, mas a parábola não terminou na rede. Um punho interrompeu o arco que devia parar dentro do gol. Rewind: o goleiro, que estava adiantadíssimo, começou a bater os braços como se fosse um náufrago ao ver um barco se afastar, mas no momento certo deu um salto mortal e jogou a bola pra fora. Um torcedor descreveu a cena de maneira bucólica: "o goalkeeper deles parecia a minha mulher enxotando as galinhas no quintal". Nossa Majestade praguejou baixinho pra não valorizar o milagre e ficou esperando a cobrança do córner.

A bola passou pelo segundo pau e os beques só assistiram quando Tito ajeitou de cabeça pra Ele. Dessa vez foi com força. Quem mandou frustrar um Rei? Ela voou rente ao chão e ia entrar no canto se... A ponta de um dedo médio não tivesse impedido.

Ambas as torcidas calaram. Aquilo foi uma espécie de sacrilégio.

Após o intervalo, o jogo se amornou e teria acabado sem maiores emoções se não fosse pelo Zózimo. O médio volante era um ótimo marcador. Todavia, ele não sabia dar um passe com mais de meio metro. Essa deficiência nunca o atrapalhara. Quando de posse da bola, ele a distribuía pro companheiro mais próximo. Alguns ainda acham que ele enlouqueceu, outros afirmam que ele quis entregar o jogo. O fato é que ele se tomou por Gérson e tentou lançar alguém a trinta metros de distancia. É claro que a bola foi interceptada no círculo central e que Ele foi servido em seguida.

No meio do caminho tinha um Benito. O defensor se preparou pra evitar o drible, mas não adiantou, no primeiro corte ele caiu sentado. Agora, entre o Monarca e o gol havia apenas aquele rapazote insolente.

Zózimo já vinha correndo pra fazer o penal, mas Ele não se afobou. "Vou mostrar pra esse moleque..." Novamente o arqueiro saiu da pequena área, mas não da forma aparvalhada de antes. Desta feita, ele veio com toda a técnica que o Mestre Barbosa lhe ensinara: os braços abertos, cotovelos ligeiramente flexionados e o corpo inclinado para fechar o ângulo.

O tiro partiu com absoluta precisão. No contrapé, apenas o suficiente pra tirar do alcance do garoto. Ou quase, pois ninguém sabe como, o goleiro que já tinha ido, voltou e a pegou pelo rabo. Quem estava atrás do gol relata ter ouvido o seguinte diálogo entre o Soberano e o novato:

— Como é o teu nome?

— …?

— Teu nome?!

— Adovaldo...

— Daqui pra frente tu vai se chamar Ado.

— …?

— Craque tem que ter nome curto.

{ msimblog@uol.com.br © 15/07/2006 }

ACT III. SCENE I – YOU MUSE MY INGRAM

- No realmente...

- É quando você acorda de uma pesadilla, pero continua nela. ¿Tendeu?

- Você diz isso por causa do coma, quando...

- Cut the crap! Eu sei o que é o amor! Amor é um carajo XXG no meio das pernas, amor no é a noite qu’eu passei morrendo de febre fria...

- Eu no ia dizer nada disso.

- ¿No?

- No. O lieutenant já te explicou: das nove uranis que te atingiram, sete provocaram lesiones irreversibles. A que furou o teu olho, estraçalhou todos os teus circuitos Ram e é por isso que você no consegue parar de pensar nas mesmas cosas

- Ah...

- Outra chumbou o teu fígado e...

- ¿Como assim?

- Mida’s touch. Virou uma bomba de mercúrio. De lá é que saem os estilhaços que vão pra tua medula.

- E seqüelam tudo...

- Exactly. Isso explica a paralisia, os pleonasmos e a sudorese.

- E solo me sobrou uma corda vocal...

- Que no vai durar muito... O Depto de Reciclagem já requisitou a retirada dela.

- ¿!?

- Calm down, você ainda pode piscar em Morse...

- Ok… ¿Me diz só mais uma cosa?

- ¿What?

- ¿Alguém a pegou?...

- ¿Ela?

- É...

- Ainda no, e na fuga ela levou duas MacsMil carregadas até o cólon.

- No way.

- Pero deixa isso pra lá. O tiempo siempre cura tudo.

- O tiempo tudo devora ...

- Sim, e no fim ele traz a muerte e aí no sobra nada pra ninguém...

ACT III. FINAL SCENE - BLUE KLEIN

No screen, ela respirava com dificuldade, pero parecia forte o suficiente para aguardar a minha chegada. Debaixo daqueles destroços, ainda parecia um organ dentro d’alma. As britz, como siempre, haviam exagerado. Dez tones de VPD quando apenas uma seria suficiente. Penderros.

Um Blayter foi enviado logo após a detonação e, conforme programado, ilo no a finalizou. Quando cheguei ao TO, três ops se ofereceram para o killing. Neguei e entrei sozinho no que tinha sido um building.

Os dados da eng calculavam em 86% as chances de desabamento na única parte do telhado que havia sobrado. As estimativas iniciais eram de sete minutos e dois segundos antes da queda. Nunca gostei de math, acho que dá mala suerte. Subi a escada que havia sido instalada até o 3º andar.

Junto dela. me lembrei do que Griffith me dissera no caminho:

- Becar, mesmo herida, ela pode querer te levar junto...

O braço esquerdo dela era inofensivo desconectado do tronco. Já o direito estava debaixo de algo que tinha sido cama ou armário. Era impossível saber sem o meu device se havia algo perigoso ali embaixo. Mirei em sua cabeça no exato momento em que ela abriu os olhos.

- Tava t’esperando...

Tentou sorrir e tossiu sangue.

- Eu sei.

Pensei em acabar logo com tudo. ¿Pra que falar quando no há mais o que dizer?

- ¿Você vai realmente hacer isso?

Minha resposta deveria ser um estímulo elétrico que percorreria o caminho entre o meu brainatural e o sensor da gun, ordenando o disparo. Silenciei.

Lentamente, ela moveu o braço que estava sobre os escombros. No meio do pó, a mão dela se abriu revelando o seu fatídico conteúdo: um cachirulo contendo algo azul dentro. Meu brainaux me alertou sobre a possibilidade (92%) daquilo ser sfynx®, o mesmo vírus que havia varrido a Líbia um mês antes. Nesse instante, apenas a minha ação separava minha troop e eu de uma muerte atroz. Com a pressão de dois dedos, ela nos aniquilaria sem nada sofrer, pois era a única vaccined no local.

Congelei novamente. No shot.

E mesmo com todo o tiempo que eu lhe dei, ela no tentou quebrar a frágil casca que continha o meu fim. Delicadamente, ela pousou o invólucro aos meus pés e afastou a mão dele, sinalizando que nada faria contra me.

A sinapse se concluiu. Em 3 milisecs a urani abandonou o seu ninho e transformou aquele lindo rosto numa sopa de restos.

Dela, nunca mais um gesto amoroso.

{ msimblog@uol.com.br © 10/07/2006 }

ASSUMPÇÃO

Naquela manhã Modigliani chegou atrasada.

A lata de coca que ela trazia na mão evidenciava o surrealismo do horário. Se era cedo demais para encontrar uma padaria aberta e tomar um legítimo café, logo era cedo demais para estar acordada. Sentou ao lado daquele cara legal (mas talvez pernóstico) e tentou decifrar os números e siglas que o palestrante regurgitava como se já fosse a hora do almoço.

América Latina, dois dias antes. Nas ruas de terra batida suas caminhadas misturavam conforto e culpa. Claro que não era cômodo acompanhar a dificílima vida daquelas crianças e imaginar que por maiores que fossem os seus esforços apenas uma ínfima parcela delas teria alguma chance na vida adulta. Mas seu bem estar nascia da convicção de que ela fazia aquilo para si mesma. No torpor de um absoluto egoísmo, ela recebia a paga em sorrisos, conflitos desfeitos e pequenas pegadas que cruzavam atalhos.

O remorso pelo prazer já foi enorme. Agora, às vésperas dos 29, ela começa o seu aprendizado sobre como viver em paz com e apesar de tudo.

{ msimblog@uol.com.br © 17/12/2005 }

FADO

Ele entrou no próprio vendaval e foi parar em um deserto.

{ msimblog@uol.com.br © 16/09/2005 }

AMPLO ESPECTRO

José que amava Luiz que ama Antonio que não ama mais Rogério.

{ msimblog@uol.com.br © 29/08/2005 }

DON & SANCHO

Tem aqui um lago imenso. Só falta a tua água.

{ msimblog@uol.com.br © 10/07/2005 }

RETA

Em velocidade tartarúgica, o ônibus duela com o lamaçal.

E o balanço quase marinho desse agora dilui a rapidez na qual tudo aconteceu três semanas atrás: chuva, freio sem, curva reta, poste.

Aprender o idioma dos homens de branco, dormir noites de luz fria e se confinar no saguão, tudo inútil.

Hoje o mais importante não é se aproximar de sua destinação, agora o objetivo é apenas se afastar do ponto de partida.

{ msimblog@uol.com.br © 21/03/2005 }

ANAMNESE

Deus é surdo.

{ msimblog@uol.com.br © 06/03/2005 }

AVISO PASSAGEIRO

Não se iluda com a falta de ilusões.

{ msimblog@uol.com.br © 15/02/2005 }

COLOSTRO

Vida é minuto a milímetro.

{ msimblog@uol.com.br © 02/01/2005 }

PASSADO PROFUNDO

Tua voz ainda tem o dom de perfumar.

{ msimblog@uol.com.br © 12/12/2004 }

BEAUTY FOLIE

Não desaparecendo o sintoma, vá lá e dê um tiro na cara dele.

{ msimblog@uol.com.br © 20/11/2004 }

MARÉ

Há 8.760 horas atrás, você ainda era você.

{ msimblog@uol.com.br © 15/11/2004 }

ESTIGMA

Ressequidão sistêmica e lacração generalizada.

{ msimblog@uol.com.br © 22/10/2004 }

FÁRMACO

Pra que gritar se não faz eco?

Eu queria aquela blusa antes dela estar suja de sangue.

{ msimblog@uol.com.br © 14/10/2004 }

QUE YO SEPA NO HAY ESO QUE LLAMAN ÁNGELES

Morreu. Chegando lá, a 1a pergunta pro Sr. Deus foi:

- Tu me fez otário ou foi vacilo meu?

{ msimblog@uol.com.br © 04/10/2004 }

BUT THY ETERNAL SUMMER SHALL NOT FADE

Virá verão, virá inverno e você não viverá a minha vida novamente.

{ msimblog@uol.com.br © 03/10/2004 }

FORTES

Banhar os cães. Dormir menos para ir ao mercado. Ler em uníssono. Mudar a cor do sorvete e o sabor da parede.

Ambos aprazeres.

{ msimblog@uol.com.br © 20/09/2004 }

DAS PENAS

Três meses depois, o tempo que passou fora ainda lhe pesa.

Tom é o perfeito reflexo do seu sentimento de estranheza naquele novo/velho cenário. Às vezes ele chega, se aninha em seu colo e ronrona como se ela nunca tivesse saído de lá. Mas têm dias que ele foge dela como se temesse a pior ameaça.

Carlinha só se preocupa com as suas questões filosóficas:

- Por que o vento venta?

E as respostas pouco importam. Assim como a presença de quem passou tanto tempo fora.

Noventa dias depois, ela ainda não sabe se veio ou se voltou. E sabe menos ainda a razão de ter tido tanta pressa em chegar ao fim.

{ msimblog@uol.com.br © 21/08/2004 }

MATA-MATA

O jogo é assim: quem abandonar primeiro ganha.

{ msimblog@uol.com.br © 20/08/2004 }

ALGIDEZ 1/3

O rádio relógio toca uma bossa-nova eletrônica. Os algarismos digitais marcam 6:00h. Muito frio. Muito frio mesmo. Selma levanta. Banheiro: xixi, lavar o rosto e escovar os dentes. O chuveiro fica ligado enquanto ela escolhe a roupa no quarto. Três conjuntos diferentes são colocados em cima da cama. O par de veludo e seda vence a eleição. Ela volta pro banheiro, despe o moleton, coloca-o no cesto de roupas sujas, tira a calcinha e entra debaixo d’água. Toma banho e lava a peça íntima. Enxuga-se meticulosamente e passa o secador nos cabelos. Veste a combinação previamente escolhida por cima de uma meia calça preta, uma calcinha da mesma cor e um soutien estruturado bege. A blusa é coberta por um terninho cujo tecido é o mesmo da saia. Um grande cachecol de lã crua completa a sua indumentária. Um minúsculo relógio de pulso e a bolsa de couro são os únicos acessórios. Vai pra cozinha e pega uma maçã na fruteira. Lava-a na pia e a come em pé enquanto confere a hora. Está atrasada. Escova os dentes, passa um baton e sai.

Toca o despertador. São 6:00h. Tá frio. Abre os olhos e confere a hora. Gustavo se espreguiça e boceja. Banheiro: mijo longo e caretas no espelho. De volta no quarto (que é também sala e cozinha, já que ele mora numa quitinete), ele põe a calça jeans encontrada no chão, veste a jaqueta de nylon que estava pendurada atrás da porta e coloca os nikes que gestavam as meias do dia anterior debaixo da cama. Abrindo o armário, ele tem dezenas de vinis e cassetes ao seu dispor. Pega um walkman no bolso interno da jaqueta e começa a ouvir algumas faixas. Sorri quando encontra o que quer e guarda consigo a fita escolhida. Olha pro despertador. Apressa-se e coloca a água pra esquentar no fogão de duas bocas (com uma quebrada) que fica ao lado da pia. Enquanto aguarda, acende a ponta de um baseado, abre a janela e observa a tumultuada paisagem matinal do centro. Joga a água quente + nescafé + muito açúcar num copo americano. Separa o dinheiro do ticket, sorve a beberagem, se benze e sai.

{ msimblog@uol.com.br © 01/08/2004 }

DOG

Sempre desconfie de qualquer milagre que dependa de fé.

{ msimblog@uol.com.br © 26/06/2004 }

JILÓ

- Eu traí a confiança mais profunda, invadi os lugares mais internos e atropelei os medos mais íntimos. Menti, enganei, iludi. Fiz mal, muito mal e conscientemente. Você me perdoa?

- Não. Mas eu te amo.

{ msimblog@uol.com.br © 25/06/2004 }

DOLORIMENTO COLORIDO

Vende-se a própria pele.

{ msimblog@uol.com.br © 24/06/2004 }

AS REINAÇÕES DE NARIZINHO

Cheirar, fumar e trepar.

Quer mais?

{ msimblog@uol.com.br © 20/06/2004 }

ESCARA

- É tua, esta cicatriz no meu peito?

{ msimblog@uol.com.br © 14/06/2004 }

Amornomore.

Entre mortos e feridos, foderam-se todos.

{ msimblog@uol.com.br © 14/06/2004 }

PROLAPSO

É melhor não fazer essa mamografia. Uma conhecida minha fez e seis meses depois ela tava morta.

{ msimblog@uol.com.br © 04/06/2004 }

VIGA

O amor é uma carne dura recheada de sêmen.

{ msimblog@uol.com.br © 01/06/2004 }

HÍBRIDO

O amor é um bichinho fofo e cheio de bílis por dentro.

{ msimblog@uol.com.br © 24/05/2004 }

AUTO-MAR

"Logo agora que eu tava começando a gostar..." Pensou o náufrago antes de afundar.

{ msimblog@uol.com.br © 24/05/2004 }

PATER

Ela me respondeu:

- E tem coisa mais cruel do que parir?

{ msimblog@uol.com.br © 17/05/2004 }

LIAME

Eu só posso te ensinar o que eu sei. Eu só posso te dar o que eu tenho.

{ msimblog@uol.com.br © 10/05/2004 }

CONJUGADO

Tomás acordou sozinho. A ausência dela se explicou pelo som do chuveiro.

Ele juntou os dois travesseiros e se recostou neles. Acendeu um cigarro pra pensar. Envelhecer tem uma única vantagem: renovar os traumas da infância. Saem os bichos papões e entram as mulheres. Sem queixas, é só uma constatação. Aliás, se há um felizardo no mundo, trata-se do usuário deste Marlboro. Bia é a coisa mais linda-fofa-e-gostosa do mundo. Teimosa-ciumenta-e-tepeêmica também, claro.

- Já tá fumando?!

Amor é quando a vida vira filme.

{ msimblog@uol.com.br © 2004 }

UM TEMPO TÃO LONGO E BREVE

Entre o sim e o não, há sempre um fino fio de sangue.

Verde ervilha. A mesa tinha um tampo de fórmica desta cor. A mesma das paredes. Supostamente, isso deveria acalmar as pacientes na espera da chamada. Sem ser afetada pela cromoterapia, ela rumina um rosário de bem/mal querer para redecidir a decisão decidida.

Diana se levantou e saiu do consultório. O olhar da recepcionista misturava surpresa e aborrecimento. “Que se foda, já paguei mesmo...”. Desceu os 5 andares pulando os degraus de par em par. Saltou a catraca da portaria e alcançou a rua. Avenida. Dezenas de carros, gentes e barulhos. A poluição tingia o pôr do sol de marron e o fim da tarde trazia um frio que a sua blusa de alcinhas não previu. Andou 100 metros rápidos e entrou no buraco.

Só queria chegar em casa e comer chocolate.

Saiu na 1a estação, duas antes da sua. Decidiu andar para ver o fim do dia naquele começo de verão. Agora vermelho, o sol espalhava uma luz que amenizava o mundo. Mesmo a agonia que sentira meia hora antes, tinha se transformado numa sólida calma. Ao subir a ladeira do cemitério, ela notou pela primeira vez os ciprestes, “que nem os do Van Gogh...”, passou por uma loja de ferragens que tinha um cachorro com pele de veludo dormindo na vitrine e parou para ver uma manta cor-de-laranja num camelô. Não pechinchou o preço pedido. A felicidade da compra a impulsionou pelo último quarteirão.

Ela sabia que Tomás não estaria em casa. Nunca mais. Sentia a sua falta, mas gostava desse estranho longe/dentro.

Antes de abrir o portão, Diana pôs a mão no ventre e contemplou o milagre.

{ msimblog@uol.com.br © 2003 }

MONO

Seu coração é uma ambulância presa no trânsito.

{ msimblog@uol.com.br © 2003 }

EXIL

1.483 braças.

Distância é o que se toma quando não se pode estar dentro.

{ msimblog@uol.com.br © 2003 }

CUSPIR

Ela rogou uma praga cega: aqueles que a amassem não veriam nem sequer um retrato da sua nudez.

{ msimblog@uol.com.br © 2003 }

CULPOSO

Matou o seu amor com três nãos.

{ msimblog@uol.com.br © 2003 }

SE

Equilíbrio é o momento antes da queda.

{ msimblog@uol.com.br © 2003 }

ICI

Os homens de Serasi, Quênia, são circuncidados apenas aos 50 anos. Tal procedimento marca o fim das suas atividades sexuais ou, eventualmente, uma nova função social onde eles são sodomitas passivos na iniciação sexual dos adolescentes da tribo.

O casamento na Idade Média era proibido não somente entre irmãos, mas também entre o homem e a parteira que o pôs no mundo e entre aqueles que mamaram nas tetas da mesma ama-de-leite.

Havia no Chipre uma lei que obrigava todas as mulheres a, uma vez na vida, copular com qualquer estranho que a escolhesse e pagasse por isso. Este ato a tornaria sagrada. Em seguida, ela nunca mais repetiria tal prática, sob pena de ser apedrejada em praça pública.

Os aborígines australianos costumam ceder as esposas para os hóspedes. O visitante pode fazer o que quiser com ela, menos beijá-la.

Entre os antigos egípcios as viúvas deveriam se suicidar imediatamente após a morte dos maridos.

Os tuaregues da Argélia não se casam antes dos 30 anos de idade. Até então, eles permanecem virgens e a masturbação é expressamente proibida.

Agora, tu sentes a minha falta.

{ msimblog@uol.com.br © 2003 }

JOY

Segura a taça de champagne com o mindinho levantado. Afável e gentil. Toda sorrisos.

O careca parece feliz com a moça adestrada.

Será que ela ao menos grita quando goza?

{ msimblog@uol.com.br © 2003 }

ESGUIO

O andar sinuoso de Lovaman adentrou o salão do “Pina Dance Club”, antigo “Batutas do Pina”. Na entrada, o segurança lhe revistou dos pés à cabeça. Ênfase no espaço entre as suas virilhas.

“Que ferro cabe ali? O meu mesmo, não. 9mm, niquelado. Fica em casa. Quem anda armado é cusão. Comigo é só no verbo e na mão. Se não resolver na moral, aí eu solto o braço”.

No centro da pista, logo abaixo do globo de espelhos, Roseneyde convulsiona as suas ancas. A luz estroboscópica metralha a mulata e ela dança como se quisesse ejetar o útero. Lova se chega e diz no ouvido dela:

— Capotei na tua curva...

O sorriso dela se escancara numa risada. Gengiva arreganhada, bocaberta cheia de dentes. Linda, completamente linda.

Dizem que ela já ficou com o Romário. Aliás, dizem que ela o chutou pra fora da cama porque ele “perdeu um pênalti”. Neyde é foda. Ele a deixa prometendo voltar em breve. Se não arranjar nada melhor.

Lova pede uma Brahma e observa o movimento. Ainda é cedo, mas a casa já está cheia. Shaba Ranks canta o tema que o batizou e ele acena pro DJ. Um grupo de homens adentra o salão. “Os gambé é tudo comédia. Eles vêm paisano e pensa que ninguém nota. Comédia!”

Duas cervas depois, ele percebe uma loirinha na porta do banheiro.

— E aí gata, tudo em cima?

— Tudo (com ar enfadado).

— Quer dançar?

— Tu tem dinheiro?

— Como é?

— Dindin, plata, dólar...

— Pra que?

— Tu acha que pode me comer de graça?

Lova se surpreende com a sua própria resposta:

— Eu não metia nesse rabo nem que tu me pagasse!

Ele odeia putas. Odeia. A loira oxigenada se afasta xingando ele de preto sujo. Lova se contém pra não bater nela. No caminho do bar ele cruza com Neyde.

— Como vai a minha princesa?

— Pára menino... (sorriso maroto)

— Vamali que eu te pago um rabo-de-galo...

— Posso não, eu tô indo...

— Por que tão cedo, princesa?

— É que eu tô doente...

— ?

Ela olha para baixo e Lova entende o que ela quer dizer.

— Ah, sei...

— E amanhã eu pego de oito no serviço...

A carruagem vira abóbora quando ele se lembra que também deve acordar cedo no dia seguinte. Isael tem de chegar na obra as sete. Caso contrário, o mestre arranja outro.

{ msimblog@uol.com.br © 2003 }

CRETA

Ejaculava pedras. Pequenos cálculos. Fragmentos de rochas que machucavam as mulheres com quem se deitava. Sem nome é a dor que ele sentia a cada gozo.

Ela tinha a fama de curar todos os males. A preparação durou seis dias. Nesse período, ele lavou o seu membro com uma mistura de água morna, folhas e ungüentos. Seis vezes ao dia. No domingo, ela enfiou uma haste de metal em brasa em sua uretra. Disse umas palavras numa língua estranha e ele não sentiu nada.

Seu sêmen secou para sempre.

{ msimblog@uol.com.br © 2003 }

OPACO

Sol.

A pisada macia no chão de cimento cru.

Sol.

O batente alto dá ao quarto de trás um ar de púlpito.

Sol.

A bandeja na mesa de cabeceira. A 1a garfada.

- Você não cozinha bem como a sua mãe.

- Eu não sou sua filha...

A brisa morna toca a cortina. Um gole d’água.

- E como?

- Sou sua esposa, Maura.

{ msimblog@uol.com.br © 2003 }

AREIA

Dias, meses, horas, anos.

E basta ele gritar que ela cede.

{ msimblog@uol.com.br © 2002 }

CUNI

Estocou-lhe umas tantas vezes e caiu resfolegante. Ela se ajeitou meio bamba, tentando não tropeçar na calcinha que lhe algemava os tornozelos.

Aquele cheiro e um silêncio de 2 toneladas.

O fecho éclair, o cadarço, o cigarro. Cadê a camisinha? Cadê a parte rasgada do envelope da camisinha?

— Cê viu meu sapato?

— Ali...

A mão vasculha.

— Que cê tá procurando?

— A chave.

— A gente...

Selinho na boca de quem acabou de lhe chupar. Porta e rua.

{ msimblog@uol.com.br © 2002 }

DÉJEUNER SUR LIT

17 ou algo assim. Veio passar comigo à tarde de sábado.

Bocas e o sono de quem confia.

Quase 30. Jantar em local público. A vida em dívida. As alianças de ouro não são gêmeas.

Ainda o mesmo sorriso, dela. Ainda o mesmo olhar, meu.

{ msimblog@uol.com.br © 2002 }

PRONTUÁRIO

O Amor é um Milagre e eu não sou Santo.

{ msimblog@uol.com.br © 2002 }

BEN-WA

No sinal, o tempo se estica pro mendigo passar arrastando o seu saco de latas. Clara estava apreensiva com a aproximação de uma moto. Rosinha tinha lhe dito que a maioria dos assaltos em semáforos era praticados por motoqueiros e ela acreditava piamente nesses boatos. Verde. A Honda 125cc passa em alta velocidade. Ela respira aliviada enquanto cata o celular dentro da bolsa. Digita o número de casa e abaixa o volume do cd.

Alô?

O tédio na voz do marido a irritava profundamente. Espelhava o tédio que deveras sentia, mas que disfarçava melhor.

— E aí?

— Nada, tô vendo Friends...

— Tô chegando.

— Faiz favôzinho?...

— O que?

— Traiz cigarrinho?

— Tá.

O tom infantil dos pedidos dele também a enervava. Seis anos antes, ela achava lindo.

— Beijo...

Não conseguiu dizer “outro”. Beijo só na cama.

Posto Shell. Deixou o frentista enchendo o tanque e entrou na lojinha. Gostou quando percebeu que ele olhava para a sua bunda.

— Um maço de Free, por favor.

— Mais alguma coisa?

Fez que não e entregou uma nota de cinqüenta.

— A sra. espera só um pouquinho pra eu trocar?

Fez que sim, mas demonstrou que estava impaciente para sair. Na ausência do caixa, pensou em roubar um chocolate do balcão. Lembrou de Winona Rider e desistiu. Abriu uma revista de fofocas e sorriu ao confirmar o que a manicure tinha lhe dito.

— Aqui, senhora...

Guardou sem conferir. Saiu sem agradecer. Ignição, primeira e play no cd do Groove Armada. Queria estar em movimento. Perpétuo.

Parado. Já fazia quase meia hora que ele não se mexia. O gerente tava de olho.

— Ô Pardal, chega aqui... Se o cara da mesa 12 não quiser mais nada, você entrega a conta. Uma hora pra tomar um café?!

Pardal detestava fazer isso. Achava que se o cliente quisesse, podia ficar lá o dia todo, mas ele não mandava ali. Infelizmente.

— O sr. quer mais alguma coisa?

— Como?

— O sr. quer mais alguma coisa?

— Não, acho que não...

Nota na mesa e o cinzeiro por cima pr’ela não voar. Ele a pegou com vagar e tentou decifrar aqueles números minúsculos. Achou que cinco reais pagariam um café e um capuccino. Pôs a cédula embaixo da xícara, se levantou e entrou no fluxo das pessoas que saiam. Só lembrou que estava num shopping, quando entrou num elevador.

— Térreo?

Apertou o P2. O último andar não tinha teto. Caía uma garoa fina e uma lua minguante tentava sair da malha das nuvens. Guido olhou em volta e contou dois carros. A constatação de que nenhum deles era o seu não o surpreendeu ou preocupou. Talvez estivesse no outro estacionamento. Ou em casa... “Eu vim de táxi?...”

O vestido preto, exibia apenas o necessário, dois palmos entre a nuca e os ombros. Bastava. Quando entrou, carregou consigo o olhar de todos os homens. Era assim desde os 15, quando ele a conheceu. Ela imantava o desejo deles e a inveja delas. Já naquela época, ela adorava o que chamava de “Pussy’s Power”. Depois da entrada triunfante, ela procurou por ele e o encontrou numa mesa atrás do piano.

Ele a recebeu com um sorriso e a sensação de conforto, daquilo que acomoda bem. Era recíproco. Clara adorava estar com ele. Plena confiança. Ela se desculpou pelo atraso enquanto pedia um capuccino ao garçon. Como sempre, a conversa correu solta. Passaram da moda dos surfistas à crise do oriente médio, da sogra maluca ao penteado de um vizinho, tudo coberto com risadas. Parecia um casal feliz.

Foi quando, ninguém sabe exatamente como, o rio morno estancou. Talvez tenha sido uma rápida menção ao marido. Talvez não.

— E nós?

— Como assim nós?

— Nós dois...

Ela se levantou e saiu sem olhar pra trás.

— VP Reinaldo...

— Positivo...

— VP Reinaldo...

— QTS, na escuta, pode falar...

— Ok, ok; tô vendo aqui na 23 um indivíduo parado no P2, há uns 15 minutos. Acho que é bom você dar uma checada porque tá chovendo muito, copiou?

Solidão é quando a gente não tem nada pra ler. Seu pai lhe repetia isso sempre que iam comprar livros na Rua dos Sebos. Mentira. Nem a biblioteca do Vaticano poderia lhe amparar agora. Fez o caminho mais longo. Parou em todos os cruzamentos. Diminuiu a velocidade. Clara não queria voltar.

O taxista falava demais. Reclamou que ele ia molhar o banco, pois estava ensopado por causa da chuva e depois encasquetou que Guido precisava de ajuda divina. A tentativa de conversão durou todo o trajeto. Ele só queria chegar em casa e ligar pra ela.

A porta da garagem rangeu ao abrir e ela pensou em reclamar com o síndico. Sua vaga estava ocupada pelo Renault do 159 e isso aumentou a sua irritação. “Nada funciona nesse prédio.” Desligou o carro, tirou o cinto, guardou a frente do cd player no porta-luvas, abriu a porta e saiu. Quase. Tinha colocado as pernas pra fora, mas faltou o impulso para se levantar. Não conseguiu se mexer mais. Desejou nunca ter saído de lá. Ela acendeu o último cigarro e pensou em ligar para Sérgio, mas não sabia o que dizer ao marido. Estou na garagem e não vou subir? Guido saberia como agir. Ele sempre sabia. Seu pai também. Os dois tinham outra coisa em comum: a mesma mania de cheirar os livros na lombada e entre as páginas. Clara via algo de indecente nesse gesto, mas não sabia explicar o que. Aliás, ela esqueceu de contar pra Guido da matéria que Rosinha lera sobre os usos eróticos de umas bolinhas chinesas. Ele adorava essas conversas. Iam rir muito...

Guido nem fechou a porta, correu pro telefone e teclou os 8 números. Fora de área. Não ligou em casa, Sérgio podia atender.

Clara reclinou o encosto e cobriu os olhos com o foulard. Achou que saberia o que fazer depois de dormir um pouco. A luz fria da garagem embalou um sono leve e cheio de sonhos confusos. Num deles, seu pai (vivo, com cheiro e tudo) lhe disse: “Não se pode circular o centro sem saber que ele está lá”.

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AZULEJO

Sempre sorrisos. Que sim, não ou talvez, ela ri.

Sabia que é perigoso mostrar as gengivas desse jeito?

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LIVRO DE ÓBITO

Tio Júlio encostou o cano na têmpora e fez o cão gritar.

A influência do clã foi usada e o atestado dizia apenas “causas naturais”. Segundo Gonçalo, isso significava que o seu pai tinha sofrido um “envenenamento por chumbo”. O buraco da bala foi tampado com um band-aid e o caixão permaneceu fechado durante o velório. Assunto encerrado.

Tudo sempre foi assim, resolvido entre aqueles que compartilham o mesmo sobrenome. Dos sapatos, na loja de um primo, à dermatologia, “A mulher do Luisinho, acabou de se formar...”. O mundo exterior devia ser evitado a todo custo. No dizer do patriarca, Seu Nonato: “Fora da família, são todos estranhos”. Assim sendo, o serviço funerário foi o de Cyro Arruda que, por ter servido o exército com Júlio, era quase um deles.

Para Bento era mais difícil. Ele tinha morado fora, “no estrangeiro", e o contato com outra cultura havia acentuado a sua sensação de não pertencer àquele mundo. Ao voltar, ele tentou argumentar que certas coisas eram retrógradas e arcaicas, mas ninguém lhe ouvia. Achavam que aqueles protestos eram excentricidades que resultaram de sua vivência nos EUA.

Dez anos depois, chegou a hora de levar os ossos pro jazigo da família, em Santa Ignácia.

— Ele deve ficar ao lado do pai, sentenciou a viúva.

Caberia ao primogênito ir ao cemitério cuidar desse assunto. A idéia de juntar Tio Júlio e o Avô Nonato numa mesma sepultura fazia muito pouco sentido para Gonçalo. Mas o principal motivo para contrariar a vontade da sua mãe é que ele sempre foi um covarde. Desde criança. Nunca gostou de caçar e desmaiava quando via sangue. Mesmo de galinha. Desconfiaram até que ele poderia ser pederasta, mas uma ida ao puteiro, aos onze anos, desmentiu as suspeitas.

— Graças a Deus! Festejou sua mãe.

Sobrou para Bento, que não sabia como recusar um pedido da Tia. Ele ainda tentou convencê-la de que Gonçalo podia ir com a noiva, que era médica, mas Dona Selma retrucou que enquanto não houvesse o casamento, Leila não era da família. Além do mais, aquilo não era um assunto de mulher.

Quando chegou ao Parque de São Pedro, Bento foi à administração e lá lhe disseram que ele deveria procurar pelo “Seu Arnaldo”.

“O homem é o único animal que se acostuma com qualquer coisa. Se você levar um jumento pro Pólo Norte, ele morre na mesma hora. Já o homem não, o homem se adapta à qualquer situação”. Tio Júlio, que adorava sabedorias de almanaque, diria isso se pudesse ver o homem que era encarregado dos serviços de “remoção e transferência”. Alto e albino, ele já seria bizarro o suficiente por si só, mas o uniforme sujo de barro e os longos intervalos entre os três dentes que formavam um quase sorriso, contribuíam muito para aumentar a sua estranheza e diminuir o índice de confiabilidade nos seus serviços.

— Tem ciência pra tudo, né Dr.? O sujeito pensa que é fácil, que e só cavucar e tirar o falecido do caixão, né?

Bento tentou não responder nada, mas deve ter feito algum gesto que incentivou o interlocutor.

— Os pessoal chega aqui achando que em cinco minutos a gen...

— Quanto é?

— 150.

— 100.

— 130.

— 120.

Breve pausa.

— Tá bom, eu faço porque eu tô vendo que o Sr. é de Jesus...

Os 40 minutos passados debaixo daquela frondosa mangueira quase atenuaram a inusitada circunstância de se estar num cemitério para desenterrar alguém. Mas o sol fervente e o fato de que os frutos daquelas árvores são mais exuberantes por causa do adubo humano que lhes é servido, não aliviaram a sua espera. Bento apagava o terceiro cigarro quando viu o coveiro se aproximando com uma caixa de madeira nas mãos.

— Demorei porque ainda tinha muita carne grudada...

O objeto foi recebido e pago.

— Precisando de qualquer coisa, é só me procurar, qualquer coisa, o Gomes sabe onde eu moro...

Saiu assoviando uma velha marchinha e desapareceu nas alamedas de lápides.

Bento ficou estático, sem saber se devia conferir o que tinha dentro da caixa. “E se tiver pedras, em vez de um esqueleto desmontado? E se não for ele, como é que eu vou saber?”. As dúvidas se dissiparam quando ele se deu conta de que um saco de roupas velhas representaria melhor a passagem do seu tio sobre a terra do que o conteúdo daquele cubo e que, mesmo a morte não estava ali dentro. Ela, ao contrário, pulsava com vigor em tudo que havia em seu redor e, principalmente, nele mesmo.

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LUZ

A máscara e o snorkell caindo em câmera lenta

Acordou encharcada de suor. A camisa colada ao corpo formava uma pele estranha e ela demorou a se entender vestida com o padrão corinthiano. Ademais, a estranheza permanecia em todo o resto. O colchão no chão, o lençol bege e o teto inclinado do sotão da casa dele. Só não estranhou a reincidência daquele pesadelo.

Certos fatores aumentam os riscos de ocorrer um acidente no mergulho. O frio, o stress (esse misterioso coringa médico) e, no caso da apnéia, a retenção de CO2. O fato é que naquele dia o sol não veio e a água ficou gelada. Soma-se a isto, o fato dela ter tomado um porre de gin na noite anterior e de não ter dormido nada. Bastaram 20 minutos dentro d’água pra ela sentir os primeiros efeitos da narcose de nitrogênio. Ela começou a achar tudo muito engraçado. Tipo assim, as coisas, aquele tubo preto saindo da sua boca, o seu namorado lhe fazendo sinais... Resolveu que não queria mais sair. Resolveu que queria nadar nua, que queria ser peixe. Quando conseguiram tirá-la do mar, ela já estava em coma.

Milagre não ter morrido. 2 meses de hospital mais a reabilitação em casa. Teve de reaprender tudo.

Xixi. Mesmo tendo suado um oceano, ela ainda precisava ir ao banheiro. Desceu as escadas tateando o escuro do sono recém interrompido. Embaixo, achou um interruptor, acendeu e apagou ao perceber que ele tava dormindo no sofá. A luz vinda do jardim e a urgência fisiológica lhe apontaram a porta do lavabo.

Ninguém lhe avisou que Porto Alegre era tão quente nessa época do ano. Passava um pouco do meio dia quando ela percebeu que não estava bem. Tinha andado durante 3 horas e não se dera conta do calor. Quando pensou em parar para se abrigar do sol e beber um pouco, já foi tarde. Ela perdeu os sentidos. Todos eles.

Celso era um homem tecnicamente feio. Baixo, gordo e narigudo. Mas ao despertar, Luzia achou que estava diante do Anjo Gabriel. Não só ele a tinha levado para o lobby de um hotel, como tinha arranjado álcool e estava lhe esfregando os pulsos com ele, quando ela voltou a si. Ele falava manso e lhe dizia que ela não devia se apressar em se levantar. O jeito dele lhe assegurou e ela sentiu apta a recomeçar a sua caminhada. Sem ser invasivo, ele insistiu em lhe acompanhar e a convidou pra almoçar. O almoço durou a tarde inteira e a conversa fluiu como se eles já se conhecessem há pelo menos 7 encarnações. Quando ele a convidou para ir a sua casa, ela hesitou um pouco. O dia, depois de Celso, vinha sendo tão perfeito, que ela não sabia se transar com ele poderia fazê-lo melhor. Na dúvida, resolveu que não, mas, com a incoerência natural das fêmeas, aceitou o convite. A tempestade que desmoronou depois do jantar, foi a desculpa necessária para que ela dormisse por lá.

Um pôster de Giotto adornava a parede logo acima da privada. Ele tinha destacado isso quando lhe mostrou a casa. “É para filtrar o ambiente onde se expurgam os restos corpóreos”, explicou ele. Ela descarregou o conteúdo da sua bexiga enquanto via o seu reflexo no espelho pendurado na porta. A camisa molhada que ele havia emprestado, “a mesma usada pelo Ataliba na final com o São Paulo em 82”, a fez se sentir mais nua do que se estivesse pelada de fato. Lembrou-se da despedida, antes de dormir, quando ele lhe deu a roupa de cama e uma garrafa d’água, “pra você não ter de descer se tiver sede”:

— Bom... Qualquer coisa é só me chamar...

— Tá... bom... Brigada...

Covardes. Queriam-se como coelhos no cio.

Na volta pro sótão, uma tábua do assoalho rangeu bem em frente ao sofá dele.

— Tu estás bem?

Uma mão esfregava os olhos enquanto a outra procurava os óculos. Ela fez que sim e lhe deu um sorriso dente de leite. Respondeu baixinho como se tivesse mais alguém na casa:

— Por que você tá dormindo aqui?

Ele a imitou no cochicho:

— Porque eu achei que era melhor ficar mais perto, caso tu precisasses de algo...

Ali, na penumbra daquela sala, ela entendeu que, dos homens que ela teve ao alcance da boca, este teria sido um dos melhores.

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RG

Meus filho tem tudo nome de artista: Ericsson, Nokia e Aiwa.

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PROPAGAR

Com quantos pecados se queima uma alma?

Eu mato bebês com punhais enferrujados.

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3

Uma escolha, um casal e uma dor.

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ALGURES

Lá todas são frígidas. A gente bate nelas e não acontece nada.

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BORRA

Aos 40 o homem passa a ter uma perspectiva histórica de si mesmo. Começam os insights (talvez os primeiros sintomas de senilidade...) onde se revive com nostalgia, a infância e a adolescência, o seu tempo. Ele sente o peso dos anos sobre os ombros e observa com inquietude a queda no ângulo de suas ereções. Sabe que em breve será vencido pela gravidade.

Percebe então, a urgência de benzer o maior número possível de fêmeas em confronto com a sua capacidade, proporcionalmente inversa, de competir com corpos 20 anos mais jovens.

Será que ele deve mudar a marca do café?

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SEMSENSO

Inteligência Militar

Tragédia Americana

Comédia Francesa

Intestino Delgado

Literatura Infantil

Pessoa Simples

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FRENESI

Ela diz “íntimo” quando quer dizer “segredo”.

Para gozar, precisa estar deitada em diagonal e com os pés fora da cama (ou da superfície em questão). O recinto em que ocorre a cópula não pode ser localizado no poente (“drena as energias”) e as cores do mesmo devem fazer parte do espectro indicado pelo Chop Suey. A temperatura ambiente deve ser amena, mas não muito. O amante deve ministrar ao menos 40 minutos de preliminares. O estímulo deve ser clitoriano do tipo lingual. Admite-se o uso dos dedos apenas em caso de câimbra maxilar. E não lhe venham com o pênis pois ela tem uma forte repugnância por falos (dizem que foi por causa de um vizinho exibicionista, na sua (dela) infância). Caso todas as condições anteriormente descritas estejam convenientemente estabelecidas, o orgasmo é alcançado em 73% das cópulas.

Segredo a gente conta pra uma pessoa de cada vez.

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TATO

O sal no meio da mesa. Oito pés embaixo dela. Quatro da mesa e quatro do casal. Os dela estão quietos, usam tênis e disfarçam o seu nervosismo. O outro par calça couro e revela alguma ansiedade na repetição do movimento pendular.

— Me passa o sal.

Não diz “por favor” e pede como se o saleiro não estivesse entre eles, tão perto dela, quanto dele. Foi como se ele, ao lhe entregar o recipiente de porcelana branca, pudesse antecipar algo que ela confirmaria algumas horas depois. Ele não entende a razão do pedido, mas obedece.

Vem aquele embaraçoso intervalo na conversa, quando se caça o próximo assunto. A música, ao fundo, aumenta o silêncio do casal. Como sempre, ambos retomam ao mesmo tempo:

— Você rep...

— É en...

Riem e ele lhe faz um gesto com a mão, pedindo que prossiga. Ela:

- Você já viu seu reflexo no aquário?

Ele olha para trás e se vê ladeado por peixes multicoloridos.

- Legal, né?

- É...

Volta o muzak ambiente. Ela se levanta.

- Volto já...

“Será que eu disse alguma bobagem?” “Várias”, responde o seu senso crítico.

Ela volta, senta e sorri. Já sabe que não vai esperar o 2° encontro, vai dar hoje mesmo.

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RODIN

Engajados num beijo, éramos melhores.

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TRI

Odor é o mesmo que Aroma. Clítoris não é clitóris. Eu não te quero mais.

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ROTERDAM – 5/10/99

Claudia:

Primeiro achei que nao devia te responder pq na verdade eu acho que vc eh uma atriz mediocre e com um ego inversamente proporcional ao talento. Mas ai lembrei da “extrema poesia de uma boa foda’’, como vc mesma dizia, e resolvi que precisava te dizer uma coisas.

Vc alega que eu falei isso ou aquilo... Qndo eh q vc vai entender q esse “disse-que-disse” nao significa nada? Sao so palavras. O q interessa e’ o q a gente faz (OU DEIXA DE FAZER.)

Foi so no mes passado que rolou a estoria com a Kareen. Ate entao, eu tinha passado quase seis meses "en la palmita de la mano" ... Rolou sim e, se vc quiser saber, foi bom pra caralho! Eu so lamento que vc tenha sabido desse jeito. PQP! Eita povinho fofoqueiro esse teu!

De resto, acho que vc precisa reciclar esses teus conceitos. Acho uma puta hipocrisia esse papo de fidelidade. Fiel eh cachorro. O resto (gente) so consegue ser fiel depois q fica velho e broxa.

Vc eh uma mulher super legal, mas precisa evoluir nesses valores. A nossa relaçao foi linda e eu espero que vc nao guarde magoas minhas. De minha parte, acho que podemos ser amigos. Ou amantes…

Kisses in you heart -

LALO :-)

PS - Lembranças pra Lena e Arthur, o casal linguarudo...

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RECIFE, QUATRO DE OUTUBRO DE 1999

Lauro,

Decidi te escrever porque acho que devemos esclarecer algumas coisas. Quando estive aí em setembro, você me botou no céu, disse que eu era a mulher da tua vida e que queria ter filhos comigo.

Depois, você me disse que não via as coisas da mesma forma que eu. Aquele dia no metrô, em que você me falou dos teus sentimentos em relação à fidelidade e eu disse que tudo bem, eu tava mentindo. Acho que quando se ama de verdade, o casal se preserva e não procura outros parceiros.

Sempre fui fiel e o mesmo não se pode dizer de você. Eu quis acabar em setembro, mas você insistiu em continuar. Se eu soubesse o que você ia fazer, eu teria acabado antes.

Por favor, nunca mais me procure.

Mada

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CANDELÁRIO CALENDÁRIO

março

Dia nasce laranja-arroseado e pela primeira vez eles estão enquadrados pela mesma janela.

agosto

Com o tempo, eles começam a depender das palavras.

outubro

Ela: "Alguma coisa mudou". E o silêncio paira morto entre ambos.

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AEROPORTO 1994

Láudano, ópio, cânhamo, lavanda e cicuta.

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MOTIVO DE NÃO

X - Mudou-se

X - Recusado

X - Falecido

X - Ausente

X - Nenhum dos anteriores

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DOLBY

E no meio da escada, ela hesita ao ouvir o seu nome ser chamado pela voz de um ex.

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SEMANADA

2a : Levei os meus espermatozóides para passear. Eles não voltaram pra casa.

3a : Luisa não ligou.

4a : Luisa não ligou.

5a : Luisa não ligou.

6a : Luisa ligou. Que merda.

Sábado: Sol, com possibilidades de chuva no decorrer do período.

Domingo: ainda não cheguei lá.

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FF

Um jato quente e viscoso jorrou na 1a mordida.

- Porra!

A lanchonete inteira se virou para ver a autora daquela interjeição. Ela revidou o olhar deles com um falso desdém e limpou o recheio derramado com um guardanapo de papel. Pensou bem alto:

"Que se fodam, que se fodam, que se fodam, que se fodam. Fodam que se!"

Nenhum som.

"Eu vou fazer uma plástica no nariz. Vou mudar a cor do cabelo. Vou fazer uma tatoo no peito. Vou botar outro piercing. Na xana".

Cinqüenta anos. Calvo. Ele a olha como se estivesse mirando uma caça.

"Só me faltava essa... Velho + careca = broxa..."

Toca o celular. Ela olha o visor.

"Que saco... Melhor atender?

- Oi...Tô comendo... Não... Depois... É, mais tarde... Você precisa falar assim? Tá, tá bom... Quando eu voltar pro escritório, eu te ligo, tá? Tá, tchau.

Perdeu o apetite.

"Ele me come há um ano, me vê quase todos os dias... Por que eu deixo ele me tratar assim?".

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ÉTER 2

Cistite é uma doença feminina. Na dor e no nome.

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ÉTER

O bip da máquina, o azulejo verde, a temperatura, a sonda e o dreno.

— Você sabe que vai ter que fazer um sacrifício pra sair daqui, não é?

Enquanto colhe outra amostra, Washington da Silva Filho repete a pergunta:

— Você sabe, né?

O corpo tinha nove anos e trocou a sua alma pela vida.

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Está fazendo um dia lindo lá fora. Vou aproveitar pra ficar aqui dentro.

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SLOW MOTION

Acha que o seu médico é o filho que já morreu quando ela tinha cinco anos.

A extrema lentidão de seus gestos irrita até a sua enfermeira que, quando ninguém está vendo, diminui as medicações, na esperança de que a morte se adiante.

Gosta muito quando a sua neta lhe traz tangerinas. Dobrando a casca, pode-se esguichar um perfume que tem cheiro de laranja.

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MARCHA RÉ

Não devia ter lhe dito que aquele filme era “da hora’’ ao replicar o “sinistro” que ela usou para qualificar o enredo.

Não devia ter lhe dado o número do celular.

Não devia ter lhe comido por trás. Não na primeira vez. Essas meninas sempre acham que é romance.

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COEUR D’ALENE

Sono aceso.

Pensou em diminuir o chauffage. “Gare” e “Chauffage” foram as primeiras palavras cuja tradução ela esqueceu. Morria de vergonha quando isso acontecia no Brasil. Sentia-se uma gringa às avessas.

Talvez um cigarro... Lembrou que Jean-Jacques vivia reclamando: “Às vezes, te beijar é como beber nicotina”. Apesar de ser suiço, ele era grosso como um francês. Romântico como um sapo morto.

Achou que devia abrir a janela. Que uma lufada de ar frio lhe faria bem. Ao se levantar, olhou para a sua mão esquerda e lembrou da cena que viu no metrô.

Bastille, 7:36 da manhã. Sete mil, cento e doze degraus. Parece que o objetivo é chegar ao inferno. Na corrida contra o atraso, ela vislumbrou uma coisinha dourada num canto da escada. Desceu mais um pouco e decidiu voltar. Era uma aliança. Daquelas antigas, espessa e abaulada nas bordas. Uma marca em baixo-relevo na face interna, parecia revelar o nome do(a) proprietário(a), mas o tempo se encarregara de corroer a suposta inscrição.

Imaginou a cena toda: um casal de africanos (Senegal?) brigando no meio da escadaria. Discutindo em algum dialeto, dedos em riste e vozes amplificadas, enquanto os transeuntes fingem ignorar a discussão. A mulher que carrega o seu filho amarrado nas costas, fazendo uma pausa dramática, tirando a aliança e jogando na cara dele. O anel ricocheteando no nariz do negro-quase-azul e caindo nos pés da multidão. Depois de pisoteado várias centenas de vezes e de ter sobrevivido às águas que lavam aquele lugar todas as noites, o pequeno objeto de ouro teria permanecido invisível aos olhos de todos os passantes, até que ela fosse levada a encontrá-lo. Era, obviamente, um sinal.

Marc sempre repetia uma frase que ele atribuía a Platão:

— Não se trata de transformar o vulgar em sublime. Trata-se de aceitar as coisas como elas são.

Ela não gostava desse conceito. Aliás, de Marc ela só gostava do pau, que tinha um ótimo design.

Ela achava que todas as coisas tinham uma razão secreta. Inclusive aquela insônia.

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MEMORIAL

Verificar o prazo de validade da camisinha que está na carteira.

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ÓRBITA

Carol me deu uma volta.

É assim que os locutores de antigamente descreviam uma jogada inventada por Garrincha. Ele pegava a bola e dava uma volta completa em seu marcador. O zagueiro ficava como que hipnotizado pelo giro do ponta.

Um amigo comum nos apresentou sem a menor pretensão de ser o nosso cupido. Foram 3 encontros e um amontoado de coincidências: a origem estrangeira dos nossos avós, o vício pela cocaína e uma embaraçosa alergia ao camarão. Tudo parecia justificar o meu vôo de mariposa em torno da lâmpada.

Mas ela foi terminar o doutorado em Londres.

Há algo de mórbido em deixar aquele cinzeiro sujo. Restos de cigarro sem nem sequer uma marca de batom.

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REGRAS

Falange, falanginha, falangeta... Vou enfiar o meu dedinho dentro da tua...

Boca. Seca de dormir aberta por causa de um desvio de septo. Tropeço até a cozinha e bebo no gargalo. Lâminas geladas abrem caminho na garganta ressequida e pedem o complemento de um café.

Claudionor me disse que o mofo são cogumelos em miniaturas. Frieira de pé também. Fungos. Imagino se o bolor, que começa a crescer no pó do café pode ter algum efeito, tipo as viagens que o Tadeu tinha com aquele chá que ele trazia do sertão. Tomara. Esquento a água e requento o pão de ontem.

Ontem? Quando foi que Marina foi embora? Marina, a provedora. Veio pra passar o carnaval e ficou até a páscoa. Fodas divinas e geladeira cheia por dois meses. Mulher pra casar...

Não tem açucar. Café sem açucar é coisa de hippie. Vou sair pra comprar. Aproveito pra trazer mais modess. Marina só tinha um defeito, ela pegava os meus sem avisar.

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ROMA

Sete da noite, todas as quintas, quarto 207, no fim do corredor, a esquerda.

Consta que ela tem os mais belos seios da cidade. De fato, se entrevê pelo decote, ela tem um bonito par de peitos. Quanto a serem “os mais belos da cidade”, isso é exagero. O homem chega um pouco depois. É baixo, tem um bigode seboso e não parece merecer aquelas tetas. Trepam ruidosamente e depois pedem um (só um) misto quente enquanto assistem um pouco de TV.

Coisa de amantes.

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ABSYNTHO

Com letra claudicante, escreve o poeta romântico:

Quero a morte, quero a dor

Quero o contrário do ninho

Sigo a rota da loucura

E só me interessa o caminho

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TE VI NA VERNISSAGE

Queria dizer que você está mais bela agora do que quando a conheci. Tenho de admitir que os seus olhos se acenderam de novo. Talvez devido a minha ausência...

O tempo te cai bem.

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TV

Quem fode busca o gozo.

O objetivo é aniquilar o oponente.

As zonas erógenas são aquelas que se avizinham dos orgãos genitais.

Os pontos fracos devem ser atingidos em primeiro lugar.

O peso e estatura da mulher devem ser levados em conta na escolha da posição para penetrá-la.

A cotovelada é o drible das artes marciais.

Mude constantemente o ponto de equilíbrio durante a cópula.

Evite o contato com o sangue do seu oponente.

Uma chave de braço pode ser um bom meio de se conseguir o que se quer.

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DORMIU BEM?

O gole enche a boca e desce, mas nada amansa a dor.

O fato é que ele nunca mais vai voltar.

Tudo existe. Menos ele voltar.

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SALIVA

Fumava até dar larica. Ia pra cozinha e fazia uma papa de goiabada com chocolate derretido. Dizia que aquilo tinha gosto de vó.

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PASSARINHOS

O dia passava e eles nem nem.

Ficavam na cama o domingo inteiro, cochichando sem razão e fazendo qualquer coisa que provocasse o riso mútuo. As suas risadas pareciam uma algazarra de pássaros, uma confusa polifonia, cujo tom (mais do que o volume) incomodava muito a vizinha de baixo.

Claro que também tinha sexo (“me faz um dedilhado...”, “agora, um bocado...” Pedia ela), mas isso não era o principal. A tônica era a inação. Um pouco de café com leite, e revistas pra olhar as figurinhas.

Eram felizes e tinham plena consciência disso.

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CINTILADO

Pra que acender a luz?

Queria que ele falasse corretamente, lavasse os pés antes de deitar e não risse mostrando a arcada inferior.

Queria que fosse outro.

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FURTIVO

Há uma lei na cidade do México que isenta, em caso de terremotos, as pessoas de pagar a conta do restaurante onde estão comendo. Ele se lembrou disso enquanto pensava num álibi que permitisse sua fuga.

O corpo dela jazia inerte ao seu lado. 3 gozos depois, ela dormia como nunca se nunca tivesse experimentado o sono.

Sérgio se move sem respirar. Veste a roupa e leva os sapatos nas mãos. Sai na surdina, com medo de que ela acorde e pergunte:

— Você me liga amanhã?

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FRACTAL

Aquilo que entrava, obstrui e constrange.

O medo que mata na véspera.

No truncado de tudo, o osso de viver.

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PENTIMENTO

A gota preta cai sinuosa e seu caminho deixa um rastro que forma o primeiro traço. “Acidentes Planejados”, é como ele define seu trabalho.

Quase a esmo, se desenha um corpo no qual ela não se reconhece. A linha que antes lhe flertava ao descrever uma jovem longilínea, é agora menos lisonjeira ao revelar mais curvas do que uma mulher admite ter.

Passou muitos anos posando em posturas incômodas e sessões prolongadas. Já não tem o mesmo enlevo e tenta pôr na sombra as partes de si de que não gosta.

Ele percebe sua manobra e apaga o que tinha esboçado. Refaz com um gesto a miragem de um espelho.

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ENSEJO

Antes do desejo há o d.

Ela não o quer até sentir seu cheiro. Antes disso, é mera fantasia. Munição para os jogos de fricção.

Quem ele diz querer é uma imagem (comodamente interessante) dela. Uma armadilha suicida que justifique o texto: "Amar nunca dá certo". Back to the "Love Sucks” way of life.

A dor é o combustível dos medíocres.

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ESGUELHA

De vez em quando ela volta. A mesma lembrança. Ele foi assistir a um ensaio e no meio de tantas caras conhecidas, uma nova e especialmente bela, lhe chamou a atenção. Olhou fingindo não ver. De soslaio. Ela por sua vez, não parecia ter sequer notado a sua presença.

Quase no fim, ela passou por ele e perguntou as horas. Deve ter sido uma casualidade, ele devia ser a única pessoa com um relógio no recinto.

20 anos depois ele ainda se lembra do horário com perfeição.

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SOA

Também a boca é mucosa. Só a ponta do dedo. O lóbulo, a penugem da nuca e a pele cor de mogno.

Quisera que todos os sons tivessem a qualidade da madeira.

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CEREBELO

Quanto mais o garrote apertava, mais a ponta entrava na pele e menos ele falava.

“Eu não sei cagoetar!”

Mudaram de método: fio e água. Gastou toda a bateria. A língua enrolou, mas ele não disse nada.

“Não conto, me mate qu’eu não conto!”

O cassetete fez jus ao nome. Até hoje ele não é bom da cabeça. Parece que só conversa com os pombos.

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SUCO DE BAYGON

Não porque sofresse muito. Tinha tido lá suas frustrações, como todo mundo, nada grave.

Ficou alguns anos apaixonado por aquela moça e ela, nada. Teve também uns problemas de grana. Além disso, nunca se deu bem com a família. Também não tinha religião, não praticava esportes e não gostava de música.

Deixou um bilhete dizendo que tava achando tudo “meio chato”.

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PONTA CABEÇA

Chegou de táxi, no meio da noite e já entrou anunciando:

— Eu tô às avessas com um novo amor.

Queria dizer ‘‘as voltas’’, mas sempre se confundia quando estava nervosa. Sentou em cima da mesa e folheou meus papeis com as pontas dos dedos. Abriu a bolsa e me mostrou a receita do psiquiatra. Tarja preta.

Por que a gente não faz uma viagem? A gente podia fazer a rota 69 (sic), tipo “coast to coast”, sabe?

Eu recusaria, alegando não estar de férias, mas ela não dava deixas para respostas. Me contou então que tinha desistido dele, que ele era um canalha, um cafajeste. Questionei sobre qual era a diferença entre os dois adjetivos, mas ela não me ouviu. Seu monólogo continuou com uma longa explanação sobre as abissais distâncias que separam os homens das mulheres. Dezessete minutos contados de relógio.

De repente, ela parou e se chegou pra perto. Enfiou a minha mão por dentro de sua saia (estampa de flores, como sempre) e perguntou:

— Quer?

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SACRAE SOFIA EST

Não sejas meu pastor, Ó Dragão.

Retira-te e nunca me ensines coisas vãs.

Pois a ignorância é o mal que mais me tenta.

É o veneno que me engole vivo.

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ALVO

Uma luz pálida, no fim do corredor, revela o esconderijo da oficina. A grade, ornada com três cadeados destrancados, desprotege um monstro de olhar azul celeste. Seu olho direito parece ocupar 2 terços de sua cabeça por causa da dilatação causada por uma lupa. Nela, um homem velho examina, minuciosamente, a mola do cão de um Colt 45. Ele se levanta com uma agilidade surpreendente, para a sua idade, e cumprimenta a visita com um sorriso e um forte aperto de mão.

Seu pesado sotaque, cheio de ‘erres’ e de ‘és’ abertos, faz com que tudo que diz soe um tanto ridículo. Parece um desses humoristas da tv, imitando um alemão que tenta falar português.

Nao sou alemao nao... explica quando alguém pergunta — Sou húngarro.

Ele se considera um herói da 2a guerra. Conta que tem uma bala nas costas que lhe avisa se vai chover, fala de batalhas perdidas ou quase ganhas e mente sobre a precisão de sua mira quando era sniper numa tropa de elite. Fala sempre com orgulho sobre os seus feitos, mas omite o fato da Hungria ter lutado ao lado dos alemães naquele conflito.

Depois ele mostra a sua Luger, explica seu mecanismo inovador — Um revoluçao parra êpoca — e conta, com um misto de graça e melancolia, sobre a sua infância num subúrbio de Budapeste.

Faz questão de me acompanhar até a porta. Se despede com um abraço e pede que eu volte logo. Acho que estive com uma espécie de Papai Noel. Com uma versão macabra dele.

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JESUINO BRILHANTE

São 7 os defeitos da mente:

A Inveja

O medo

O Ciúme

A Cegueira

A Posse

O Poder

A Fé

e

O Amor

A inveja é a vergonha de si mesmo e o desejo de roubar o prestígio alheio.

O ciúme nada mais é do que o medo principal, e o medo é a morte em vida.

A cegueira dá-se através do nublamento do verídico e da imposição do falso em seu lugar.

A posse é o querer ter. E o pertence aprisiona o juízo assim como a gaiola prende o pássaro.

O poder é a soberba, é quando a alma se embriaga.

A fé é o contrário da crença. É a certeza na dúvida.

O amor é o pai-de-todos, o Malzebu, a causa de todas as dores.

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COZIDO

Untou-se de azeite e chamou o seu homem.

Fizeram tudo aquilo que os especialistas da tv repudiam. Isso nisso, isso naquilo e aquilo naquilo outro. Nada seguro. Tudo com o vigor e a velocidade que só a juventude permite. Uma autêntica roleta russa carnal onde o mais difícil foi atingir os alvos, tamanha a escorregação generalizada.

Várias contusões e escoriações mais tarde, eles contam os hematomas e fazem planos pro futuro:

- Que tal um “convencional radical”, amanhã?

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ESPÉCULO

Admirou as próprias partes e guardou o espelho. Artur nunca olhava as suas “intimidades” diretamente pois tinha medo de que alguém (quem?) o visse e achasse que ele era invertido ou algo assim.

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LÍNGUA

Mãe tinha um cheiro azedo e gostava de chamar o meu nome à toa.

Um dia ela fugiu. A família toda saiu pela vizinhança perguntando por ela, olhando para as copas das árvores e gritando seu nome. Foi achada num terreno baldio, dizendo coisas ininteligíveis e roendo um pedaço de pau.

Arara é um animal palíndromo.

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FACA

- Homem é coisa sem serventia.

E cuspiu na brasa que ardia dentro do fogão a lenha. Continuou a resmungar enquanto limpava os peixes debaixo da torneira.

- Carecia disso? Precisava?...

Espremeu um limão em cima da carne branca. Colocou os peixes na frigideira e espalhou o sal sobre eles. Sentou-se num banco e passou a abanar o fogo.

- Mas se esse menino nascer com a cara dele... Eu vou lá e sangro os dois... A mãe e o filho.

Um ruído na porta. Ele entra sereno, olha para a mulher junto ao fogão e só vê amor nos olhos dela.

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ENTRE A BOCA E O ANZOL

O aço por trás do espelho. O balde do açude. A mão na sombra da mão. Um remo azul e outro vermelho. O barro na beira da estrada. Aquele cd. Olhos assim. Você e tuas fendas.

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FÓRCEPS

— Carlos, a polícia taí...

No meio de um sonho, ele começou a se perguntar: “Aí aonde? Aí aonde, o que? Entre o in e o consciente, um jorro de adrenalina sucedeu a absorção da palavra “polícia”. Abriu os olhos e procurou o despertador. 7:12 hs, que diabo é isso?!... Levantou-se cambaleando, vestiu uma calça e saiu do quarto. Encontrou sua mulher no corredor e ela lhe explicou num sussurro:

— É um homem lá fora. Ele disse que é da polícia e mandou chamar o dono da casa...

“Ele disse...” E se não for? E se for um assalto? Por outro lado, o “homem lá fora” podia ser mesmo da polícia... Um surto de culpa o atingiu ao imaginar que talvez ele estivesse sendo procurado. Será que alguém sabi... O som elétrico-metálico da campainha rasgou as suas tentativas de raciocínio. Ela fez menção de que ia abrir, mas ele a deteve com um gesto.

— Eu vou, pode deixar.

O sol que a porta aberta permitiu entrar, cegou-o por alguns segundos e o fez lembrar de que estava sem camisa. Pensou em entrar e vestir algo, mas desistiu ao ver o suposto policial, parado na frente de sua casa. Talvez fosse até bom enfrentar essa situação “de peito aberto”, como prova de destemor. Afinal, pêlos toráxicos são um sinal de virilidade, pensou. Essa lógica adolescente o reconfortou e ele caminhou com firmeza em direção ao sujeito que reclamara sua presença. Protegido pela grade do portão, Carlos tentou ser polido:

- Pois não?

- Meu amigo, eu sou investigador da 20a DP...

Ato contínuo, o indivíduo sacou uma identificação para comprovar o que disse.

- E eu gostaria de lhe fazer umas perguntas...

Novamente, uma remota sensação de culpa lhe roçou a nuca.

- O Sr, ou alguém da sua família, já teve aids?

Surpreso, ele negou com a cabeça.

- O Sr, ou alguém da sua família, já teve câncer?

Nova negativa.

- O Sr, ou alguém da sua família, já teve enfisema pulmonar?

Carlos o interrompe:

- Você pode me explicar o que está acontecendo?!...

- É que minha esposa tá em estado terminal e eu precisava de uma ajudinha pra comprar absorvente hospitalar, que é pra conter as hemorragias...

- ?...

- Eu espero que o senhor e a sua família nunca sofram com uma coisa assim...

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GREY??

Depois da guerra só havia batatas. Por causa de um erro burocrático, ele, que era um viúvo sem filhos, tinha um cartão de racionamento do tipo familiar. Solidário, ele convidava os vizinhos para repartir a sua cota.

Sua especialidade (ou a única coisa que ele sabia cozinhar) era uma sopa com o tubérculo. Por causa da crônica falta de ingredientes, suas sopas eram ralas e insossas, mas a sua receita tinha um pequeno diferencial: “a sensação de carne”. Ele fervia o caldo e deixava as bordas tostarem um pouco. A crosta que resultava desse processo tinha, para ele, aspecto, cheiro, gosto e textura de carne.

Vizinhança reunida, os elogios eram unânimes. Ou quase, pois o caçula do 2o andar sempre reclamava:

— Parece papel queimado...

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FINIS

Era um cínico profissional:

— Misturar negócios com amizade é tão perigoso quanto misturar amor com sexo...

Solteirão convicto:

— O casamento é o túmulo do desejo!

Louvava o álcool:

— A humanidade só alcança a normalidade depois da 3a dose!

Considerava-se um apátrida:

— Esse país está doente e o único remédio é a eutanásia!

Hoje ele é casado, sócio da esposa, abstêmio e chora sempre que ouve o hino nacional.

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INTUMIDADE

Ausência é só um pouquinho de morte, pensou.

No banho, água fria para diluir as lágrimas. Fluidos misturados escorreram pelo ralo enquanto a toalha secava o que restou no corpo. Vestiu-se com pressa, pegou uma cartela de camisinhas e saiu.

Na rua, postou-se na esquina e voltou à labuta.

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DO CARNAVAL E ANTES

Perdeu a virgindade na arquibancada de concreto da quadra B, no pátio do Colégio Vera Cruz. O escolhido, um cara do científico, foi convocado unicamente para a missão, sem ter nenhum vínculo prévio com ela.

Depois de duas ou três estocadas, um filete vermelho vivo manchou o cimento dos degraus. Ele se assustou e parou ao perceber que era a 1a vez dela. Ninguém gozou.

Alguns anos mais tarde, ela o viu no carnaval de Olinda, vestido de mulher e completamente bêbado. Ele demorou uma semana para se lembrar de quem era aquele sorriso na ladeira do Amparo.

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CARTA DESAMOR

De quantos tabus quebrados, quantas palavras sims, quantas palavras nãos, quantas mãos entre as coxas, quantos beijos de língua, quantas tpms, quantas idas e vindas, quanta lembrança, quanta ameaça, quanto compromisso, quanto sumiço, quanta ternura, quanta porrada, quantas risadas, quantas dentadas, quantos telefonemas e de quantos cinemas, você precisa?

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AR

E a paisagem por trás do ombro dela se desmanchou. As cores se fundiram numa massa abstrata. árvores verdes, asfalto cinza e pessoas multicores, tudo numa única mancha, talvez marron, com um pouco de amarelo no centro. Ele piscou os olhos. Amarelo era o contorno dela, galega. Voltando o foco, a voz soprano ainda ressoava, eco distante de tudo.

— Como assim?

Ele ficou feliz por ter conseguido dizer duas palavras sem gaguejar, sem demonstrar o desespero que começava a sentir. Ela, a fronte dura, quase carranca, respirou fundo, pôs as mãos (unhas crispando as palmas) embaixo da mesa e repetiu:

¾ Não dá mais.

Ele quis voltar ao antes e refazer a questão inicial. Talvez fosse isso. Quem sabe se, colocada de outra forma, a pergunta não teria uma outra resposta?

— Você não entendeu, eu acho que...

¾ Não... Você é que não entendeu... Acabou...

E sua voz tremeu. Meio raiva, meio medo. Nó na garganta e sal nos olhos. Ela se ajeitou na cadeira e passou a procurar um cigarro.

— E você veio até aqui só pra me dizer isso?!

Indignado, inquisidor. E a sua mente tateou, buscando provas, gestos ou frases, qualquer coisa no passado que servisse para reafirmar os fatos que agora tinham perdido a validade. Vasculhando a memória, ele divagou e se perdeu ao pensar que a culpa é do tempo. Desse vento que desmancha os momentos e desfaz as circunstâncias.

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ÊMBULO

— Você tá feliz?

Todos sairam para fumar na rua. As duas ficaram sozinhas. Norma chega junto e a beija com firmeza. Joana se assusta, mas retribue. Pausa para o fôlego enquanto ela se encosta na borda de um seio.

— Não sei...

Outro beijo, mais tempo. A mão se vira e as falanges tateiam a malha que cobre um mamilo.

— E agora?

Mais um, quase t?o longo quanto o segundo. Mirada profunda, elas se respiram em silêncio.

—Talvez.

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MARESIA

Sarrabulho é quando alguém é derrubado por uma onda e cai rolando dentro d’água. Céu e terra se sucedem nos olhos feridos pelo sal. Até a onda virar espuma e a pessoa conseguir se levantar, a sensação é a de que ela realmente vai se afogar, mesmo estando no raso.

Isto me acontecia muito quando eu era pequena. Todas as minhas tentativas de entrar no mar acabavam em quedas. Mas não sei porque liguei essa lembrança a esse homem, hoje, aqui. Talvez seja a suave ardência que sinto nas narinas, resultado do pó que ele me trouxe. Ou não? Pode ser o ar de maresia que todo quarto tem depois do sexo. Além dos aromas, o visgo que mistura seu sêmen ao meu gozo e que, quando seco, vira coceira em minhas coxas e me lembra a sensação (incômoda e gostosa) da pele salgada e cansada de sol. Talvez nada disso. A coca estabelece conexões estranhas e uma pessoa travada junta as coisas sem saber o porquê.

Uma baleia encalhada! Era isso! O cara era gordo e na posição em que estava, ele parecia uma daquelas baleias que atolam nas praias. Até a sua pele marrom (ele se diz um “moreno claro”) e rugosa lembrava o couro dos bichos. Preciso parar de cheirar.

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FINDO

Mundo acabou quando tia Fá morreu. Mundo acabou quando Zico perdeu aquele pênalti contra a França. Mundo acabou quando Elis se calou. Mundo acabou quando ele não conseguiu dar a 2a. Mundo acabou quando caiu o muro. Mundo acabou no começo da adolescência. Mundo acabou naquele aeroporto, sem lágrimas. Mundo acabou na carta de recusa de uma editora. Mundo acabou quando Judas lhe beijou. Mundo acabou quando perdeu uma aposta. Mundo acabou no fim de uma garrafa de Bordeaux.

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